O Mundo do Doutor Parnassus


Depois de conseguir finalizar sem maiores problemas seus dois últimos projetos (Os Irmãos Grimm e Contra-Ponto), parecia que a maré de azar do diretor de cinema Terry Gilliam tinha passado. Até que veio o 22 de janeiro de 2008. Gilliam estava no meio das filmagens de O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus, 2009) e em um dos papéis principais estava o ator Heath Ledger, incessantemente elogiado a cada nova cena que surgia da sua interpretação do Coringa em Batman - O Cavaleiro das Trevas, a ser lançado no meio daquele ano. O ator morreu em Nova York, deixando órfão sua pequena filha Matilda e sem rumo os amigos com quem filmava.

Gilliam quase teve de fechar as portas de sua produção. E foi aí que entraram os amigos Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrel, que deram um passo à frente e se ofereceram para terminar o papel que o australiano interpretava. As cenas em que os três atores aparecem se passam dentro do tal mundo imaginário do Dr. Parnassus e lá você pode ser quem você quiser. Quem você sonhar. E por isso, a mudança de atores, que muita gente pode até estranhar no início, veste como uma luva em uma daquelas mãos que tem uma cabeça no seu topo.

Sim, a imagem é "gilliamética" e saiu mesmo da mente do desvairado autor. Essa e tantas outras, como águas vivas gigantes, balões de ar em formatos de cabeça flutuando por mundos coloridos, bocas que são "chupadas" nas caras das pessoas, cobras que aparecem do contorno de rios e escadas sem fim. Não há dúvida que Parnassus é o filme mais visual que Gilliam já construiu, equilibrando como nunca efeitos práticos com computação gráfica, como na cena em que acompanhamos o diabo conhecido como Nick (Tom Waits) chegando ao templo onde Parnassus (Christopher Plummer) comanda outros monges em meditações sobre tapetes voadores.

Os dois fazem um pacto: em troca da imortalidade, Parnassus promete ao Diabo a sua filha quando ela completar seus 16 anos. Pensando ser mais esperto que o senhor das trevas, Parnassus não imagina ter filhos e consegue se manter invicto, até que conhece e se apaixona por uma mulher, a mãe de Valentina (Lily Cole). Quando o filme começa, Nick está de volta para cobrar seu prêmio. Tão bêbado quando desesperado, Parnassus tenta uma última cartada para manter a delicada e linda filha: conseguir cinco almas para ele antes do aniversário de Valentina, em três dias.

Tony (Ledger, Depp, Law, Farrel) entra em cena amnésico, pendurado pelo pescoço em uma ponte de Londres. É logo incorporado à trupe de Parnassus e com sua lábia vai ajudando a recolher as almas, para o desespero de Anton (Andrew Garfield), que sofre ao ver sua amada Valentina se apaixonando pelo novato. Porém, não se deve confiar em um personagem que foi batizado em "homenagem" ao ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, descrito por Gilliam como um cara que "diria as coisas mais insanas e provavelmente acreditaria nelas".

Parnassus, no meio de todas as viagens entre o mundo imaginário e o cotidiano, ainda consegue guardar espaço para fazer críticas às pessoas que estão sempre atrasadas a ponto de deixar de sonhar e ao capitalismo. E há ainda um estranho número musical típico de Monty Python.

Talvez a história não agrade a todo mundo. Mas uma obra de Terry Gilliam jamais vai conseguir atingir tal feito. Sua mente funciona em uma frequência diferente. Seus sonhos são mais coloridos. Seus devaneios, mais sinistros. E seus filmes, bom, estes são cada vez mais ímpares no meio das fórmulas usadas pelas pessoas que podem até ser mais sortudas, mas não têm a mesma genialidade.

Trecho da critica de cinema de Marcelo Forlani do site Omelete